CATEDRAL DE SANTO ÂNGELO RS.

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segunda-feira, 19 de setembro de 2011

A dança do festeiro falido.


E VOCÊ CONCORDA?



NÃO É CÉU: A dança do festeiro falido

Eduardo Matzembacher Frizzo, leitor-repórter*
Desde que me conheço por gente, ouço que Santo Ângelo tem a noite mais agitada da região. Pessoal quer se divertir, jogar conversa fora e tomar gelada entre amigos. Isso é bom porque faz o solteiro ficar menos solteiro e o casado esquecer que é casado ao menos até escovar os dentes. É bom porque faz a vida girar, os carros baterem, brigas estourarem e todo mundo ficar feliz, tanto os donos das boates quanto os donos das bocas de fumo. De fora tudo parece uma festa. Todos felizes largando oncinhas ao deus-dará das madrugadas. As lancherias sempre lotadas, os pais sempre preocupados e as virgens deixando de ser virgens cada vez mais cedo. Algo perfeitamente normal, não fosse uma realidade estranha: como pode uma cidade que há tanto tempo está sedimentada na estagnação econômica ter essa imagem? De onde os cidadãos tiram dinheiro pra gastar na tal da “vida noturna santo-angelense”? Talvez seja por isso que certa vez um amigo do norte me falou que todo santo-angelense é um festeiro falido.

Mas o que ocorre em Santo Ângelo não é diferente do que ocorre no mundo todo. As pessoas, quanto mais no buraco estão, mais tendem a não reconhecer que estão no buraco. Quando reconhecem, ou fazem festa ou se matam – dificilmente alguém irá conseguir ou mesmo querer sair do buraco. Mas nós temos nossas peculiaridades. Por exemplo: a maior parte do dinheiro que existe por aqui (aquele dinheiro que possibilita poder de compra e mesmo perspectivas empreendedoras) está nas mãos de profissionais liberais. O restante, com os funcionários públicos. E o que sobra, com alguns poucos empresários. Esses empresários, geralmente são o que são porque deram um golpe de mestre em algum momento de suas vidas. Não é à toa que Santo Ângelo tem a fama da “cidade latinha”: lá tinha tal coisa, lá tinha isso, lá tinha aquilo.

Somos uma cidade na qual as empresas raramente conseguem se desenvolver. Talvez isso se explique pelo fato de que a maioria dessas empresas é de pequeno porte e trabalha com a venda de produtos e a prestação de serviços, praticamente nunca com produção. Temos a Fundimisa, alguns dirão. Mas é a exceção da exceção. No mais, temos é um apanhado de lojas aqui e ali, uma guerreando contra a outra pra conseguir sobreviver. As que têm maior sucesso, sustentam suas contas do dinheiro dos profissionais liberais e dos funcionários públicos seguidos por aqueles poucos empresários. O restante tem suas portas abertas pelas compras à prestação do resto do povo – e essas empresas não têm sua sede em Santo Ângelo. Se isso diz de uma realidade aparentemente corriqueira, propicia um pensar interessante: a concentração de renda é um dos principais fatores geradores da estagnação econômica.

Afirmo isso sem nenhum rancor ou pesar. Afirmo apenas a título de diagnóstico descompromissado. Se temos um número restrito de profissionais liberais, funcionários públicos e empresários que detém a maior parte do capital que existe nas Missões, o que sobra para os outros? De certo abrir uma lojinha pra vender roupas compradas em São Paulo com uma margem de lucro perto de 200%. De certo se lascar estudando pra tentar sair da cidade ou apenas se contentar com uma vida mediana feita de pensamentos medianos, sentimentos medianos e contas bancárias medianas. De certo sobra – e é aqui que quero chegar – sair pra rua de festa em festa, já que pra quem está no inferno, abraçar o Diabo é questão de sobrevivência.

Penso que o fato de Santo Ângelo ter a noite mais agitada da região, seja uma conseqüência da nossa falta de perspectivas para o futuro. Em um local onde profissionais liberais e funcionários públicos, seguidos por poucos empresários (sem contar aquelas famílias que são proprietárias de grande parte dos imóveis comerciais e mesmo residenciais da cidade há décadas, pautando o setor imobiliário com aluguéis estratosféricos e completamente injustos), detém a maior parte do capital que gira no município, a estagnação econômica é conseqüência. Uma cidade assim não dará margem para a invenção seguida do empreendedorismo – ou seja: para a produção e não para o varejo. Vivemos em uma cidade que não vai e não irá pra frente enquanto não perceber onde se encontra. A questão toda está em saber que nos encontramos em tal lugar – nesse caso, no buraco. Feito isso, temos de não apenas conseguir, mas querer sair desse lugar. Do contrário, permaneceremos como a noite mais agitada da região e só isso por muito e muito tempo. Para o bem e para o mal, ficaremos na eterna dança do festeiro falido – e na sua próxima visita, meu amigo do norte terá a certeza de que sua afirmação estava correta.
* Eduardo Matzembacher Frizzo é estudante, professor universitário, advogado e Mestre em Desenvolvimento pela UNIJUÍ

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